sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Casa de Bonecas (A Doll's House): Pensamentos

Escrever sobre „Casa de Bonecas“ (A Doll’s House, Henrik Ibsen, 1879) já é em si o princípio de uma polemica.
A (chamada) primeira peça „feminista“ foi escrita muito antes do movimento feminista ter começado a existir e até hoje empolga longas, animadas tertúlias e agitadas discussões pelo fato do personagem principal abandonar no final sua casa, seu marido e seus filhos… „Aonde está o instinto de uma mulher assim? Abandonar os filhos…“ Ouvi não faz muito tempo. Um trabalho de dramaturgia, até hoje imortal, dado que a temática principal ainda é de grande atualidade. Sim.

Os traços psicológicos dos personagens foram compostos por Ibsen com uma sensibilidade e sutileza fora do comum – comparo estes traços às fascinantes interpretações psicológicas de um Stefan Zweig, um dos meus prediletos.
A metamorfose que acontece dentro de „Nora“ ao longo da peça e chega à sua conclusão ao final do último ato não é só um trabalho teatral muito interessante como também dá grandes oportunidades, quando bem compreendida e estruturada pela atriz que a interpreta, para uma magnífica performance. Como gostaria de ter visto Liv Ullmann como Nora… Sim, um papel muito querido para Liv e que ela repetiu muitas vezes nos palcos da Broadway e da Noruega. Dizem que ela esteve soberba como Nora...



Me emociono muito quando Nora dá-se conta de que seu marido não era o homem que ela imaginou ser durante anos e que toda sua existencia foi até então nada mais do que uma mentira. Sua fantasia sobre o amor é sómente uma fantasia. Seu marido tratou-a como um brinquedinho toda a vida. Ela, na realidade, sempre foi tratada como um brinquedinho, uma boneca; primeiro por seu pai e depois por Torvald, seu marido. Quando o casamento está demanchando-se, este insiste que ela deve continuar exercendo suas „obrigações“ como Mãe e Esposa. Nora porém já comeca a ver, a se dar conta que ela, sim tem obrigações mas com ela mesma. Nora percebe que Torvald e ela não são nada mais do que estranhos um para o outro. Quando ele pergunta se ainda existiria alguma chance para reconstruir-se esse casamento ela reponde analíticamente que necessitaria-se „o maior milagre de todos“ já que teriam que mudar tanto para transformar a vida conjunta num casamento. Ela é uma outra mulher do que no primeiro ato… anos-luz daquela que não queria dizer ao marido que tinha comprado doces…

A peça acaba com uma famosa batida de porta. O momento em que Nora abandona Torvald enquanto este, especulando consigo, não com ela, sobre uma possibilidade para realizar „o maior milagre de todos“, mostra ao público que jamais mudaria.

„Casa de Bonecas“ escandalizou muito europeus no final do século XIX (Em Nova York o público em 1889 abandonou o teatro!) como um peça „imoral“, já que muitos acreditavam „sagrado“ o casamento (atitude esta que não mudou muito na Europa, acho, fora das capitais). Um exemplo: uma mulher era considerada, pela vizinhança, boa ou má esposa pela (pasmem!) brancura de suas roupas (Nos prédios burgueses do século XIX haviam áreas comuns para pendurar-se a roupa lavada para secar… a „análise“ sobre os casamentos dos outros – e fofoca – sempre começavam aí, num lugar onde de certa forma „intimidades“, como roupa de cama, roupas de baixo etc., ficavam expostas. Não penso que a „suposta moral e mentalidade“ tenham na realidade mudado muito…).

O escandalo na época foi de certa forma tal, que uma atriz na Alemanha recusou-se a interpretar Nora, não mudasse Ibsen o final da peça. Ele fez esta besteira (Nora, em vez de deixar o „lar“, caminha para seus filhos e vendo-os, desmaia enquanto a cortina baixa). Ibsen chamou este seu erro de uma „desgraça“.

„Casa“ foi colocada algumas vezes nas telas do cinema e da televisão. Ala Nazimova deu-lhe vida no cinema mudo.

Julie Harris interpretou-a na TV em 1959 ao lado de Christopher Plummer (o Capitão „Von Trapp“ de „A Novica rebelde - The Sound of Music, Fox 1965 – o bom ator canadense).
Mais recentemente ( em 1992) o personagem principal de „Sara“ interpretado por Niki Karimi, foi baseado em Nora.

Joan Crawford (que horror…) criou-a no rádio em 1938, Wendy Hiller em 47.
(By the Way, Tonia Carrero foi Nora no Brasil - junto a Rubens de Falco e Luís de Lima. Imagino-a muito bem!)

„Casa“ daria muito motivo para expeculações já que em 1973 foram feitas, paralelamente, DUAS versões desta obra (um caso com um único prescedente: em 1965 foram também feitas duas versões de „Harlow“, uma com Carroll Baker, na qual Ginger Rogers despediu-se do cinema, e outra com Carol Lynley):
A primeira dirigida por Patrick Garland com atores de teatro e de mais „peso“: a linda Claire Bloom e um jovem, Anthony Hopkins.


A segunda versão, dirigida pelo grande Joseph Losey, teve no elenco David Warner e uma jovem Jane Fonda, dois anos depois de ter ganho o „Oscar“ em „Klute“ e quatro depois de sua magnífica e desiludida „Gloria“ em „They shoot Horses, don’t they?“ („Mas não se mata cavalo?“) baseado no livro de Horace McCoy sobre uma maratona de dança.
„Casa de Bonecas“ (ou „Nora“) parece ter sido esquecido da filmografia de Jane… Gosto dela como Nora Helmer. Gosto de como a atriz transforma-se numa marionete dançando a „Tarantella“ para seu marido e convidados: uma cena já extremamente simbólica no palco e que Losey e Jane souberam usar ao máximo.
Gosto como ela, não sabendo mentir, conta a verdadeira data da morte de seu pai para o homem que está a chantageá-la e, por assim dizer, assina sua declaração de culpa (Ela forjou a assinatura do pai e assinou o documento com uma data posterior à morte).
Gosto dela decidida, abandonando o lar, o passado, os filhos. Revejam este filme pois ele, em vez de envelhecer com o tempo tornou-se mais „apurado“, mais consistente (Infelizmente só consegui o Trailer em alemão… mesmo assim… a Tarantella… ).

Penso nas „Noras“ da vida, as que até hoje existem e que não tem a coragem de fazer suas malinhas, abandonar tudo e bater a porta…
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Penso nas „Noras“ da vida que, escondendo-se atrás da faixada de "serem formadas" ou de "estarem ativas profissionalmente" ou até de „terem trabalhado fora“, jamais admitiriam sê-las, mesmo estando subjugadas (e deixando-se subjugar) pelos maridos…

Conheço algumas „Noras“…

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